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Estudo avalia impacto do petróleo à saúde dos pescadores artesanais nordestinos

06-10-2022
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Por Paulo Oliveira e Thomas Bauer | Publicado originalmente no site Meus Sertões | Fotos: Paulo Oliveira

Manchas de petróleo atingiram o litoral das regiões Nordeste e Sudeste do Brasil entre agosto de 2019 e março de 2020. Esse derramamento foi o mais extento registrado em oceanos tropicais, embora não tenha sido o de maior volume. No total, foram atingidos 2.890 quilômetros da costa.

Onze estados – nove do Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e dois do Sudeste (Rio de Janeiro e Espírito Santo) -, cerca de 130 municípios e 1.009 localidades sofreram prejuízos.

Mais de cinco mil toneladas de óleo foram retirados das praias, manguezais e recifes de coral em sete meses. Alagoas foi o estado mais castigado. De lá, foram retiradas 2.564 toneladas de óleo. Pernambuco (1.676 toneladas), Sergipe (569) e Bahia (459) vieram a seguir.

Dez ecossistemas atingidos. Populações tradicionais e locais severamente impactadas, queda de renda e da venda de pescado variou de 80 a 100%. Cinquenta e dois mil estabelecimentos comerciais foram afetados, sendo o setor de alimentação, pesca e turismo comunitário os mais atingidos, a partir da recomendação para suspensão generalizada do consumo de peixes e mariscos. Houve o aumento de famintos e de casos de desnutrição.

Em junho de 2020 e em agosto de 2022 o petróleo ressurgiu nas praias.

Esse é o contexto em que se desenvolve a pesquisa “Avaliação dos impactos do derramamento do óleo petróleo na costa da Bahia: ações de saúde e proteção ambiental”, coordenada pela epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Rita de Cássia Franco Rêgo.

Este foi um dos trabalhos apresentados no Seminário da Campanha Mar de Luta: Três anos de resistência ao crime do petróleo, realizado em São Cristóvão, Sergipe, no final de agosto. A partir do evento, Meus Sertões produziu a série “Pescadores artesanais nordestinos”, que se encerra hoje.

Embora ainda em fase de análise, a pesquisa constatou a demora e insuficiência da resposta governamental para o enfrentamento do problema e a exposição, sem proteção, de pesadores e marisqueiras que atuaram na tentativa de contenção ou remoção das manchas e resíduos do petróleo. Ao todo, 144 mil pescadores artesanais do Nordeste, segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foram colocados em risco.

Os sintomas agudos mais relatados, inicialmente, pelos entrevistados foram problemas respiratórios, neurológicos, dermatológicos, coceira nos olhos, náusea, vômito, tontura, dores de cabeça. Também estão sendo constatados casos de doenças psicológicas. O estudo foi realizado nas Reservas Extrativistas (Resex) de Prado-Cumuruxatiba, Canavieiras e Una, Belmonte, Conde e Cairu (Cova da Onça).

A partir da apresentação destes dados, a equipe Meus Sertões/Conselho Pastoral do Pescadores (CPP) entrevistou a epidemiologista Rita de Cássia. Veja o que ela nos contou sobre o trabalho que coordena:

Como surgiu a pesquisa, a partir de quando ela começou a ser feita?

Acompanhamos todo o processo de derramamento de petróleo na Assembleia Legislativa da Bahia e fomos até o Congresso Nacional, na Câmara de Deputados, para expor o quanto aquilo iria repercutir na saúde dos pescadores artesanais. Trabalha há mais de 10 anos fazendo pesquisas epidemiológicas com pescadores artesanais. Nesse contexto, quando houve derramamento nos colocamos como parceiros para identificação de danos e efeitos que poderiam estar sendo causados à saúde desses pescadores.

 Quais os impactos nos trabalhadores a partir do derramamento do petróleo?

Nós temos vários impactos, mas estamos ainda na análise dos dados. Há impactos agudos e impactos crônicos. Estes não podem ser medidos agora, apenas com pesquisas de longo prazo. Os impactos agudos foram principalmente efeitos respiratórios, oftalmológicos e dermatológicos, a ver com o contato direto com o óleo. Tem os efeitos também na saúde mental, ainda não temos a análise propriamente dita, mas há um grande número de relatos neste sentido.

Outro efeito importante foi o econômico, muito impactante. Ele aconteceu em decorrência da redução da venda do pescado, devido à suspensão da compra de pescado por parte de revendedores, comerciantes e donos de restaurantes, que temiam a contaminação do pescado, e da suspensão das áreas de turismo. Logo em seguida veio a pandemia, quando houve outro grande impacto econômico.

No seminário da campanha Mar de Luta ouvimos relatos de casos de queimaduras, tonturas, cegueira momentânea…

O petróleo causa realmente uma série de danos. Problemas neurológicos, respiratórios, hepáticos. Isso depende da quantidade, do tempo de exposição e da frequência. Tudo isso precisa ser analisado.

E os danos aos territórios?

Os territórios podem ter sido afetados por longo prazo e isso pode ter provocado uma perda de redução das espécies, que são importantes para sobrevivência dos pescadores e marisqueiras. Se há um dano grande em determinada área de manguezais e corais, que vai aumentar a mortandade de caranguejos, isso vai causar uma redução de alimento, por exemplo.

Também precisamos pensar no potencial do dano que teve no ambiente. Essas pessoas são protetoras dos biomas e precisam ser reconhecidas como parceiras para preservá-los. Elas precisam ser ouvidas. É preciso pensar também no risco de sobrevivência e em proteger o território.

O que melhorou no sistema de saúde para atendimento das vítimas? No seminário, ouvimos relatos de médicos despreparados e preconceituosos?

Foi construído na Bahia um protocolo de atendimento para os expostos. Temos experiência de preparar profissionais para atendimento de pescadores com distúrbios músculo esqueléticos. É uma experiência, mas muito pequena, incipiente.

E quais os casos de doenças mais graves que vocês encontraram?

Não temos ainda esse relato. Precisaria de um acompanhamento de longo prazo. Os casos agudos foram tratados. Os que chegam de notificação do sistema de desastre foram poucos casos. Muitas vezes, as pessoas passaram por isso, mas não foram ao posto de saúde. Há subnotificação. A partir do sistema de notificação poderíamos acompanhar ao longo do tempo a evolução dessa pessoa. Estamos discutindo como acompanhá-las no Brasil inteiro.

Quando a pesquisa será concluída?

Nós estamos agora em fase de análise do estado da Bahia, o que eu coordeno. Estamos ainda fazendo coleta de dados em Pernambuco e Sergipe. Não temos ainda uma data delimitada. Mas posso dizer que dos desastres que estudamos, como o do Golfo do México, nos Estados Unidos, em 2010, tem até hoje pesquisa sendo elaborada. A primeira fase na Bahia já fez a coleta de dados, agora a análise, depois será a vez das publicações. Ainda não há uma data certa.

A senhora pode dar uma dimensão do que a queda de renda causou para os pescadores?

A queda de renda provocou o aumento da pobreza e da fome. Temos relatos de pessoas que só tinham farinha para dar para os filhos. A queda da renda foi extremamente grande. Depois veio a pandemia. Pense no que isso significa. Eles estão dentro da linha da pobreza, não receberam nenhum auxílio emergencial do petróleo. Querem fazer várias exigências, como o Registro Geral da Pesca (RGP).

São pedidos uma série de documentos. 95% não receberam auxílio emergencial do petróleo, embora a lei previsse isso. Eles são de um grupo dos mais vulneráveis. Ganham, em média, um dólar por dia. Se já estão nessa situação. Imagina quando são impedidos de pescar. E isso aumentou os casos de alcoolismo, de violência contra a mulher. Depois veio a pandemia. Foram dois grandes desastres associados. Depois disso, teve comunidades que tiveram problemas com enchentes.

Hoje, três anos depois do crime do petróleo, há um preparo maior para eventuais acidentes?

O que posso dizer é que as pessoas estão mais em alerta. Sabem mais o que fazer para conter o desastre. A partir disso, também surgiram várias experiências positivas. Por exemplo, a rede de mulheres, em Canavieiras, que trabalhou com a quitanda solidária. Elas compram uma quantidade maior de alimentos e fazem a troca dos produtos por pescado, no armazém da associação de pescadores. Essa rede, organizada pelas mulheres matou a fome de muita gente e recebe doações para se manter. Temos ainda a moeda solidária, que é lá em Canavieiras também. Estamos mapeando essas iniciativas.

 

PERFIL DOS ENTREVISTADOS

A aplicação de 959 questionários resultou nas seguintes constatações sobre os pescadores baianos pelos pesquisadores da UFBA:

684 (71,3%) profissionais responderam que o valor que recebiam era insuficiente para a sobrevivência.

A renda média familiar semanal é de R$ 238,72 semanais

57,9% (555) recebem bolsa família

52,8% (506) recebem seguro defeso

14% (134) não recebem nenhum benefício

68% (652) possuem registro de pescador profissional

55,89% (536) entrevistados eram mulheres e 44,1% (423), homens

84,88% (814) são pretos ou pardos, 7,61% (73) são indígenas, 4,17% (40) são brancos e 3,34% (32) declararam outras cores.

60,8% (583) dos participantes do estudo participou de atividades de remoção de resíduos oleosos.

85,4% (819) da população parou de pescar durante o derramamento de óleo/petróleo.

93% (892) declarou não ter recebido nem recurso financeiro durante ou após o derramamento.

95,5% (916) declararam a ocorrência de danos na área de pesca/mariscagem.

 

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(*) Esta série foi produzida por Meus Sertões em parceria com o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).

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