Publicação denuncia violações aos territórios pesqueiros em todo o Brasil e chega às mãos de comunidades tradicionais como instrumento de resistência e articulação política
Texto e fotos: Henrique Cavalheiro - Assessoria de Comunicação do CPP
Durante a programação do seminário “Pesca Artesanal e os Impactos da Mineração do Sal-Gema”, realizado na Comunidade Quilombola e Pesqueira de Porto Grande, em Conceição da Barra (ES), no sábado (17), foi feito o lançamento do 3º Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras, elaborado pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP).
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Representantes de comunidades pesqueiras, quilombolas, organizações sociais, agentes pastorais e parceiros receberam exemplares da publicação, que traz um mapeamento detalhado dos principais conflitos envolvendo os povos das águas no Brasil. O momento marcou não apenas a entrega de um documento, mas o fortalecimento das ferramentas de luta e denúncia dos territórios atingidos. O relatório foi apresentado como instrumento político e pedagógico que pode ser usado pelas comunidades junto aos diversos poderes públicos, na defesa de seus direitos, territórios e modos de vida.
Relatório nasce da escuta das comunidades e se torna instrumento de luta
Andrea Rocha, secretária de Território e Meio Ambiente do CPP, destacou o processo coletivo de construção do relatório e a importância do documento como ferramenta política. Segundo ela, o material foi elaborado com base na escuta direta de comunidades tradicionais e na contribuição de movimentos e organizações de diversas regiões do país. “A gente ouviu as comunidades, fomos até elas com nossos agentes, mas também mandamos o relatório para grupos em lugares onde o CPP não atua diretamente, como no Paraná e em São Paulo, onde os próprios pescadores colaboraram com as respostas”, explicou. As entrevistas abordaram temas como os modos de vida, os conflitos e as ameaças enfrentadas pelas comunidades pesqueiras.
Andrea reforçou que o objetivo do relatório é fornecer uma base concreta para a incidência política e jurídica. “Esse documento serve de comprovação, pode ajudar nas incidências em espaços como o Ministério Público e os governos, como uma prova material do que essas comunidades têm vivenciado”, afirmou. Ela destacou ainda que o lançamento nacional ocorreu em abril, e que agora o CPP está promovendo lançamentos nos estados, como o realizado no Espírito Santo. “Esperamos que esse material fortaleça a luta dos pescadores, das pescadoras, das comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas aqui do estado”, completou.
A agente do CPP regional Minas Gerais e Espírito Santo, Zena Pinto, destacou a importância da parceria entre organizações no acompanhamento dos conflitos que atingem os territórios tradicionais, com ênfase nas comunidades do Sapê do Norte e nos impactos duradouros do crime da Samarco. “O CPP acompanha de perto essa realidade junto com a FASE, que tem nos apoiado muito, inclusive aqui nesse seminário”, afirmou. Zena ressaltou que, mesmo quando os agentes não conseguem estar presencialmente nas comunidades, o esforço coletivo continua por meio de ligações e trocas de informação que ajudam a construir as denúncias. “Esses dias a gente tem andado muito pra colher registros que vão compor o próximo relatório”, completou, agradecendo o apoio dos movimentos e aliados que fortalecem a luta dos povos das águas.
Vozes do território: dignidade, fé, luta e esperança
Durante o lançamento, o pescador artesanal Sr. Bi, morador do bairro Bugia, em Conceição da Barra, fez uma fala emocionada sobre o valor da terra, da pesca e da dignidade do povo. “Não tem impedimento para falar, e eu queria dizer que aqui também está um pouco da nossa história, do que nos fez pobres. Podemos ser pobres financeiramente, mas não de espírito”, afirmou. Ele destacou a importância de reconhecer os valores que ainda resistem nas comunidades, especialmente os ligados à terra e ao pescado. “Não desmerecendo os valores que nós temos na nossa terra, no nosso pescado, nas riquezas que ainda temos”, finalizou.
Em um dos momentos mais emocionantes do evento, Dona Maria dos Santos Guilherme, liderança da comunidade de Porto Grande, recebeu o relatório com fé e esperança de que, em breve, poderá também receber o tão aguardado documento de titulação de seu território.
“Assim como vocês me entregam esse livro com bom coração, com amor e carinho, eu tenho fé em Deus, em São Benedito e em Santo Rei que vou pegar o documento da área de Porto Grande”, disse com voz firme.
Ela afirmou que, se for preciso, buscará o Ministério Público e a Justiça para garantir o direito coletivo da comunidade. Para Dona Maria, o sonho é deixar como herança o território para todos e todas de Porto Grande.